2 O’Clock

em sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

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       Eram duas da manhã, quando acordei com o peso da madrugada. Havia alguma coisa no ar que meus olhos, acostumados a pouca luz do cômodo, não identificaram. Ainda assim, sentia a angústia. Abri os ouvidos. Claro... Meus olhos não podiam ter visto o que me acordara; aquela melancolia que me assaltara o sono era não mais que uma melodia simplória, um choro lamentável que viera de algum canto do mundo e encontrara uma fresta para adentrar o meu.
       Tentei retomar o sono, mas meus ouvidos já estavam tomados por aquele som fino, constante, carregado de tristeza, e meus olhos procuravam, erroneamente, o caminho que ele decidira tomar. A luz da lua projetava sombras azuis – em formas de árvores secas – em minha cama, e, ao me pegar olhando-as, percebi que o choramingo melancólico só poderia ter entrado por ali: a janela, aberta. Iria acabar com aquilo.
       Foi quando me levantei e apurei meus sentidos que percebi que o choro nem era tão audível assim. Era de um jovem. Pela altura e intensidade, supus que ele devia estar longe, mas, quando cheguei à janela e me pus a observar a rua, constatei que isso era impossível de se saber: ele vinha de todos e de nenhum lugar.
       De qualquer maneira, longe ou perto, era frágil. Tão frágil que era claro que bastasse o fechamento da janela e nunca mais voltaria a ouvi-lo. Ele era oscilante, fraco. Incapaz de atravessar uma simples vidraça e voltar a me perturbar. Quando segurei os puxadores de madeira, dei uma última atenção àquela melodia vã, que chegava a ser ridícula, e não me assustei quando me peguei rindo.
       Sim, eu ri. Ri daquele ser fraco e deprimente que nem ao menos sabia chorar. Ri porque ele – ao contrario de mim – nunca soubera o que era ser feliz e nunca, em sua vida ínfima, fora amado. Caso contrário, não estaria em qualquer lugar no nada, chorando um choro tosco. Ri de sua ingenuidade ao pensar que, chorando, ficaria melhor; sem saber que – ao acordar, no outro dia, ele sentiria ainda mais dor.
       Aquele choro lamentável não era digno, nem ao menos, de pena. Eu fecharia a janela e ele não me incomodaria mais. Ele seria esquecido por mim e continuaria vagando pela escuridão azul da rua a procura de frestas nos mundos de outros. A procura de outras noites para pesar.
       Acontece que, quando fechei a janela e voltei para a cama, percebi que ainda podia ouvir o choro reverberando pelas paredes. E me assustei – desesperadamente – quando olhei pelo quarto e constatei que, sozinho, aquele ser que chorava lamentavelmente estava sentado na cama, pedindo socorro a si mesmo, sob o peso da madrugada.

Rafael M. Watanabe

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